Frente ao aquecimento global, é preciso obrigar o governo a preservar a Amazônia e pensar o país não em termos de crescimento do PIB e sim do IDH.
O prêmio Nobel da Paz 2007 foi dividido entre Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, e o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima). Esta importante instituição alerta que o futuro do nosso planeta estará comprometido se não houver, o quanto antes, mudança do atual modelo de desenvolvimento.
O paradigma predominante é o do consumismo ilimitado, do carro como ideal de transporte, da utilização de produtos descartáveis que não são biodegradáveis, ou seja, levam milhares de anos, como os plásticos, para serem absorvidos pela natureza.
Nos últimos 150 anos, o ser humano alterou a composição da atmosfera e o funcionamento de ecossistemas que se auto-regulavam há 4,5 bilhões de anos. Nos últimos 30 anos, a concentração de gases de efeito estufa – que provocam o aquecimento global e a perda de biodiversidade – aumentou de 280 partes por milhão para 375. Dobrou a concentração de metano na atmosfera. Segundo o IPPC, a saúde da Terra estará seriamente comprometida se a concentração de CO² (gás carbônico) na atmosfera ultrapassar 550 partes por milhão.
A camada de ozônio, que nos protege dos efeitos negativos dos raios solares, já se reduziu em 6%, aumentando a incidência de câncer de pele e outras doenças. Prevê-se que, neste novo século, a temperatura da Terra subirá de 2 a 4%, e o nível do mar, 40 cm. Isso poderá afetar a Amazônia, já ameaçada pelo desmatamento e a falta de vontade política do governo federal para evitá-lo. A maior área de biodiversidade do planeta corre o risco de se transformar, em futuro próximo, em cerrado. De sua área original, 17% da Amazônia brasileira já foram desmatadas.
O Brasil é, hoje, o 4º maior emissor de gases de efeito estufa devido às queimadas e ao desmatamento. Nosso país desmata cerca de 15 a 20 mil km² por ano (Sergipe tem área de 21.910 km²), o que corresponde a 74% de nossas emissões de gás de efeito estufa. A queima de cana-de-açúcar para produzir etanol lança na atmosfera, a cada ano, cerca de 64,8 milhões de toneladas de gás carbônico.
Por cada hectare, a floresta amazônica absorve, na madeira das árvores, cerca de 100 toneladas de CO². Ao todo, são de 100 a 400 milhões de toneladas de carbono por ano. Ao queimar esta madeira para dar lugar a pasto ou ao plantio de soja, o carbono deixa de ser assimilado pelo ecossistema e sobe para a atmosfera. Calcula-se que, hoje, a floresta lance na atmosfera, por ano, cerca de 200 a 300 milhões de toneladas de carbono. Portanto, reduzir o desmatamento é o meio mais barato de restringir a emissão de gases.
Este planeta é a nossa casa e os efeitos da ação humana sobre a natureza atingem, indistintamente, ricos e pobres. Além de cessar o desmatamento, é preciso incentivar políticas de reflorestamento para reduzir as emissões de gás carbônico. E adotar processos industriais mais convenientes, como a fabricação de carros híbridos. O modelo Prins, da Toyota, funciona com 4 motores elétricos e 1 a diesel, e emite metade do CO² gerado por veículos do mesmo porte.
Devido ao pico da produção de petróleo, e o sucessivo aumento do preço do barril, os EUA pretendem reduzir o seu consumo em 20% até 2017, o que significará aumento de 800% do consumo de etanol até aquela data. E lá o etanol é feito de milho, que agora inflaciona os preços dos alimentos. A União Européia se propõe a reduzir o consumo de gasolina em 10% até 2020. Só não diz como. Para produzir etanol, teria de utilizar 70% de sua área agricultável, o que é impensável.
Se para substituir o petróleo o continente americano quiser produzir, por ano, 110 bilhões de litros de etanol, no Brasil os canaviais terão de ocupar 75 milhões de hectares. Para se ter uma idéia do que isso significa, hoje toda a área utilizada para a produção de alimentos vegetais no Brasil é de 60 milhões de hectares.
Segundo o governo federal, a safra 2007/08 produzirá 473,16 milhões de toneladas de cana, um aumento de 11% em relação à safra de 2006/07. Além de ameaçar a Amazônia, empurrando para lá a soja e o gado, a cana contribui para o aumento de emissão de CO², causado pelo uso de fertilizantes e plantadeiras, colhetadeiras e traminhões. E a extensão do plantio por áreas agricultáveis refletirá no preço dos alimentos, encarecendo-os.
Frente ao aquecimento global, é preciso forçar o descongelamento político, obrigar o governo a preservar a Amazônia e pensar o país não em termos de crescimento do PIB e sim do IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano.
Frei Betto é autor de “Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Ática), entre outros livros.