Após paralisação de 24 horas promovida na semana passada, os bancários de todo o país voltarão a entrar em greve, desta vez por tempo indeterminado, a partir do dia 7. Para falar a respeito do ponto de vista da categoria, uma das que mais simbolizam a opressão do capital sobre o trabalhador, o Correio conversou com Francisvaldo Mendes, bancário do Bradesco, instituição privada do setor de maior lucratividade no país.
De acordo com Mendes, um dos representantes nacionais do Sindicato dos Bancários, os trabalhadores já não suportam mais as pressões a que são submetidos em nome de metas e vendas de serviços, e reivindicam aumento levando em conta também a inflação. Para ele, a classe precisa novamente demonstrar sua unidade nacional, pois o patronato sabe igualmente se organizar em conjunto, porém com vistas a retirar direitos dos trabalhadores e cerceando o direito à livre organização de seus funcionários, como se tem visto na atual luta.
Correio da Cidadania: Quais são as tensões entre os trabalhadores bancários e seus patrões, de modo que a greve se fez necessária, e quais as reivindicações mais imprescindíveis para a classe?
Francisvaldo Mendes: Na verdade, fizemos no dia 30/09 uma paralisação de 24 horas por causa do processo negocial que tivemos, já que nossa data-base era 01/09. Os bancos tiveram lucros enormes (por volta de 13, 15, 16%) e nas negociações ofereceram um aumento de apenas 7,5%, enquanto nossa pauta de reivindicações está em 13%, que seria inflação + aumento real; os banqueiros oferecem só a inflação. Portanto, fizemos uma greve de 24 horas de advertência no dia 30 e, no dia 07/10, teremos uma assembléia geral que irá deflagrar a greve por tempo indeterminado.
A principal reivindicação (há várias outras) é a pressão no local de trabalho. Há um assédio moral intenso em todas as agências bancárias por vendas de produtos, metas a serem atingidas e a categoria não agüenta mais. Muitos bancários estão adoecendo e este é um dos motivos que mais lhes causa revolta. Também reivindicamos a PLR (Participação nos Lucros e Resultados) que todos os anos tem contado com a inclusão dos trabalhadores. Neste ano, os banqueiros baixaram bastante as perspectivas, com alguns bancos excluindo os trabalhadores completamente de quaisquer participações, sendo que todos eles obtiveram grandes lucros.
CC: Na sua avaliação, qual o resultado prático das paralisações já ocorridas em várias capitais e outras cidades?
FM: O resultado prático é a pressão sobre os bancos para que apresentem uma nova proposta e reabram as negociações, interrompidas no final de setembro e ainda não retomadas.
Portanto, essa paralisação é para que efetivamente se retomem as negociações, além de melhorar a proposta apresentada pela FENABAN (Federação Nacional de Bancos).
CC: Com os bancos anunciando taxas recordes de lucro, como explicar tamanha disparidade entre as propostas dos trabalhadores e a de seus chefes?
FM: Nesse caso é a histórica briga de classes. Na verdade, existe uma briga em que os patrões se apropriam cada vez mais da força de trabalho dos bancários, e dos trabalhadores de maneira geral, para acumularem e gerarem sempre mais riquezas.
O que queremos é ver rebatida toda a pressão que sofremos no local do trabalho, mostrando à população que ela é também explorada. Hoje qualquer cliente de agência bancária é intimidado para comprar produtos, seguros etc. Achamos que isso faz com que se veja o bancário como inimigo, sendo que este é forçado a pressionar o cliente. Queremos mostrar à população que ela também é vítima dos interesses dos banqueiros, que impõem produtos a serem vendidos pelos bancários.
CC: Como avalia o posicionamento e a unidade da classe nessa luta?
FM: A categoria bancária é uma das poucas, está entre as três ou quatro, que faz o contrato coletivo nacional. Portanto, o piso do bancário de São Paulo é o mesmo piso daquele que está no Acre. A importância do contrato nacional é exatamente a de mostrar a unidade da classe e não fragmentar os trabalhadores bancários.
Por exemplo, peguemos as montadoras de automóveis: há um piso na região de São José, outro no Paraná e outro em Campinas, configurando dessa forma negociações diferentes, sendo que a categoria dos empresários, por sua vez, é unificada. Ela conversa entre si, a fim de manter o mercado, o lucro, sempre acumulando capital. A mesma coisa fazem os banqueiros.
Assim, enquanto categoria que consegue fazer um contrato coletivo nacional unificado, nós podemos fazer um bom debate de enfrentamento contra a unidade que a burguesia e a classe patronal têm entre elas. A unidade é fundamental para que possamos derrotar um projeto político e de exploração das classes dominantes.
Às vezes, vemos que alguns bancos são mais mobilizados que outros. Normalmente, os bancos estatais são mais mobilizados que os privados, já que sofrem menos pressão de demissão, conseguindo assim se organizar melhor. Porém, se nos concentrarmos somente nesses bancos, acaba se fragmentando a classe trabalhadora sem que se consiga passar o recado à classe patronal. A importância da unidade – e os bancários possuem histórico de unidade, até porque têm esse contrato coletivo conquistado – é fundamental, a fim de que se conquistem cada vez mais direitos para a categoria.
CC: E o que pensa da assembléia do sindicato em São Paulo, realizada na semana passada e cercada de polêmicas entre a própria classe, sendo questionada por parte dos participantes?
FM: Não se tratou de algo feito às escuras, como se chegou a pensar. Foi realizada na noite do dia 29, na quadra dos bancários, com a presença de 1300 deles. Houve uma votação, com duas propostas em pauta: uma de paralisação por tempo indeterminado e outra por paralisação de 24 horas, que foi a proposta ganhadora.
Não houve nada às escondidas. Houve divergências a respeito da assembléia, mas todos entenderam que a unidade da categoria era mais importante que a disputa interna.
CC: Dizem que alguns bancos, especialmente privados, estão cerceando o direito à greve que os trabalhadores têm garantido constitucionalmente. Até que ponto isso é verdade? Qual o grau de pressão exercido pelo patronato na luta atual?
FM: Os bancos privados têm incorrido nessa prática constantemente. Por exemplo, quando estamos nas portas das agências de bancos privados tratando de convencer politicamente os bancários, eles chamam a PM e se utilizam dela para obrigar os trabalhadores a voltarem para dentro do banco. Há casos em que alugam helicópteros – como o Unibanco, que possui heliporto em sua sede na Praça do Patriarca – e fazem seus funcionários entrarem no banco desse jeito.
Os banqueiros exercem todo tipo de assédio, a todo instante. Ligam para o celular da pessoa e, caso esta se encontre na greve com o telefone desligado, fazem chamadas para as suas casas, para suas esposas e mães, pressionando-os a irem trabalhar. Existe todo tipo de enfrentamento num período de greve como esse.
CC: Que fim acredita que o confronto atual levará? A classe pode se preparar para novas lutas num futuro bem próximo?
FM: Creio que sim. Começaremos na quarta-feira uma greve por tempo indeterminado. A categoria está ciente de que os banqueiros não concederão nenhum aumento, vide que já se passou o primeiro mês de pagamento a partir da data-base da greve.
Portanto, teremos a greve nessa semana e espero que seja forte, para mostrar a força da categoria. O momento é de tentar ganhar a consciência dos trabalhadores, mostrando que, sem organização, não conseguiremos conquistar nada.
É importante ressaltar que a intenção é fazer uma grande greve no país, em todos os estados, combinando a luta de todos eles, pois não adianta Brasília e Rio de Janeiro entrarem em greve e São Paulo não. Todos precisam estar combinados e unificados para que possamos efetivamente responder à pressão do patronato, que ultimamente vem tentando retirar direitos dos trabalhadores.