Leio com pesar a declaração publicada na página eletrônica da Agência Carta Maior por seu diretor-presidente, Joaquim Ernesto Palhares, e o editor-chefe, Flávio Wolf Aguiar. Trata-se de um depoimento sincero acerca do maior risco à liberdade dos brasileiros e ao que parece ser o inexorável controle da mídia nacional por um número cada vez mais reduzido de empresários ligados à direita e aos interesses internacionais, estruturados para corromper a independência dos meios de comunicação.
O enfraquecimento da Agência Carta Maior e a inércia de setores inteiros da produção intelectual, entre eles o de jornalismo, impresso e audiovisual, traduzem a perigosa concentração das notícias e informações no conjunto dominado pelas empresas dos conglomerados formados pelas editoras Abril, Folha da Manhã, Globo e Grupo Estado. Apenas estas quatro empresas e suas sucursais controlam mais de 80% da mídia nacional, de acordo com avaliação de auditores independentes, consultados pelo Correio do Brasil. O controle da comunicação de massa é, na realidade, a maior manobra política da direita em curso desde o golpe de Estado de 1964.
Reduzir a participação das forças conservadoras no controle político do país é, hoje, o maior desafio enfrentado por aqueles brasileiros que, por duas legislaturas consecutivas, elegeram um representante das classes trabalhadoras para a Presidência da República. Nas urnas, dissemos um sonoro “Não!” ao neoliberalismo e ao desmanche progressivo e criminoso do Estado. A força do capitalismo internacional, porém, não perdoou a autodeterminação brasileira e age em constante e crescente desafio às leis em vigor, contra os interesses mais legítimos desta nação. Com a Veja no pelotão de frente deste assalto aos planos de uma sociedade mais justa e agindo no completo interesse dos grupos econômicos mais poderosos em atividade no país, a Folha de S. Paulo, a TV Globo, O Globo e O Estado de S. Paulo completam a força tática em operação para deter o avanço do socialismo no Brasil. Cabe a estes, deliberadamente, levantar uma muralha de informação e contra-informação – não necessariamente nessa ordem – para iludir, distrair e falsear a opinião pública.
Tais afirmações seriam levianas caso não fosse possível confirmá-las. Basta, no entanto, cinco minutos de leitura a qualquer um desses periódicos ou uma simples análise do conteúdo divulgado pela TV Globo e suas afiliadas, em todo o território nacional, para perceber a que senhor eles servem. E não será ao resultado das urnas, com certeza. Muito menos à proteção dos ideais mais legítimos de liberdade e justiça. Percebe-se, claramente, que a linha editorial daqueles meios de comunicação visa combater toda e qualquer ação mais próxima do socialismo ou da contestação aos preceitos de Washington, de Wall Street e da City. O poder do dinheiro, claro, alicia parte dos jornalistas brasileiros e estes passam a servir com lealdade às empresas em linha com as matrizes. Esta sinergia produz a concentração de quase todo o poder da mídia e o controle absoluto das verbas publicitárias tanto do setor privado quanto do estatal.
Blindado pela fórmula que reúne a força trabalhadora com empregos estáveis, remunerados com o resultado do controle da publicidade, o sistema atende aos interesses internacionais e avança contra a soberania brasileira. Vê-se, claramente neste movimento, a tentativa de inteiro controle do setor.
O plano seria perfeito, se não fosse arrogante.
O ataque às liberdades democráticas, disfarçado na pele de cordeiro da liberdade de imprensa, está cada vez mais acintoso na preparação do ardil que antecede a mais uma eleição, prevista para o ano que vem. De posse de verdadeiras e consideráveis fortunas, dispostos a investir cada centavo na preservação de um quinhão cada vez maior de poder, os barões da mídia mobilizam-se para desarticular os canais de voz da resistência. E o que é o pior, com o apoio do governo contra o qual eles combatem. A este só resta chamar de burro ou de mal intencionado, pois é inadmissível alimentar tão voraz inimigo de si mesmo. A não ser que se trate de uma reação auto-imune, na qual o organismo encarrega-se da própria destruição.
Por pouco não crucificam o presidente Hugo Chávez, por tomar uma medida decisiva contra o braço venezuelano do capitalismo internacional. Não fazia mesmo sentido que o Estado continuasse a permissionar – para ganhar rios de dinheiro – um inimigo declarado da democracia e da vontade daquela nação, a exemplo do que hoje acontece aqui no Brasil. Funcione, pois, para quem se dispuser a pagar pela assinatura daquelas baboseiras. E não são muitos, como se constata pela audiência do canal defenestrado da grade pública, após sua migração para o sinal privado.
Ainda que o espírito mineiro de brasilidade, sempre conciliador e bom de conversa, pondere para que não se adotem aqui em nossas plagas medidas drásticas como vemos por aí, mundo afora, é uma impudência permitir que continuem a nadar de braçada os detratores dos interesses nacionais, no mar de iniqüidade que assola o país, ao passo que segmentos éticos e determinados a respeitar a vontade da maioria absoluta do eleitorado brasileiro sejam vitimados pela força bruta da concentração de poder. O que está ocorrendo com Carta Maior é o que já aconteceu ao longo das últimas décadas com centenas de iniciativas de jornalistas sérios, que viram podadas quaisquer chances de exercer, na sua plenitude, a verdadeira liberdade de imprensa, esta sim, dedicada a combater as injustiças, promover o bem comum e a dignidade dos cidadãos.
Do jeito que vão as coisas, somente será possível sobreviver nesse campo de batalha aqueles que adotarem uma estratégia de guerrilha e, na Sierra Maestra da midia nacional, resistir às forças brutais do mercado.
É espantoso, no entanto, até agora não existir qualquer iniciativa por parte destes veículos que lutam pelo bom jornalismo para se unir, nesse momento de pleno confronto, contra o inimigo comum. Ao contrário das quatro irmãs xifópagas que crescem viçosas, agarradas às tetas do capital transnacional, minguam as iniciativas brasileiras por falta de um foro adequado para se debater e implementar a democratização da informação e o respeito à diversidade de pensamento. Separados, seremos todos alvos fáceis na mira do Tio Sam, enquanto que juntas, estas iniciativas terão melhor sorte nessa guerra sem quartel, travada no dia-a-dia das redações. Conclamo aos jornalistas de bem que se rebelem, ainda que em segredo, contra a dominação que se avizinha. Chamo a todos aqueles empresários conscientes e, acima de tudo, cientes de seus deveres para com a sociedade brasileira, para se unir em torno de medidas urgentes contra o cartel da midia e seus tentáculos junto à opinião pública.
Ainda que pregue no deserto, creio que o Correio do Brasil se fará ouvir por aqueles que ainda têm sensibilidade suficiente para se indignar e lutar, ao invés de entregar, de mão beijada ao estrangeiro, a consciência nacional e a alma desse país.
Gilberto de Souza é editor-chefe do Correio do Brasil